Hoje a Susana Freitas Dias partilhou connosco uma história que eu gosto muito. O pássaro da alma.

Sugiro que o obtenham. É lindo.

No fundo, bem lá no fundo do corpo, mora a alma.

Ainda não houve quem a visse,

Mas todos sabem que ela existe.

E não só sabem que existe,

Como também sabem o que lá tem dentro.

Dentro da alma,

Lá bem no centro,

Pousado numa pata

Está um pássaro.

E o nome do pássaro é pássaro da alma.

E ele sente tudo o que nós sentimos:

Quando alguém nos magoa, o pássaro da alma agita-se para lá e para cá

Em todos os sentidos dentro do nosso corpo, sofre muito.

Quando alguém nos ama,

O pássaro da alma dá pulinhos

De contente,

Para trás e para a frente,

Vai e vem.

Quando alguém nos chama,

O pássaro da alma põe-se logo à escuta da voz,

A fim de reconhecer que tipo de apelo é.

Quando alguém se zanga connosco,

O pássaro da alma recolhe-se dentro de si

Tristonho e silencioso.

E quando alguém nos abraça, o pássaro da alma

Que mora no fundo, bem lá no fundo do nosso corpo,

Começa a crescer a crescer,

Até encher quase todo o espaço dentro de nós,

Tão bom é para ele o abraço.

Dentro do corpo, no fundo, bem lá no fundo, mora a alma.

Ainda não houve quem a visse,

Mas todos sabem que ela existe.

E ainda nunca,

Nunca veio ao mundo alguém

Que não tivesse alma.

Porque a alma entra dentro de nós no momento em que nascemos

E não nos larga

– Nem uma só vez –

Até ao fim da nossa vida.

Como o ar que o homem respira

Desde a hora em que nasce

Até à hora em que morre.

Decerto querem saber de que é feito o pássaro da alma.

Ah, isso é mesmo muito fácil:

É feito de gavetas e mais gavetas.

Mas não podemos abrir as gavetas de qualquer maneira,

Pois cada uma delas tem uma chave para ela só!

E o pássaro da alma

É o único capaz de abrir as gavetas dele.

Como?

Pois isso também é muito simples:

Com a segunda pata.

O pássaro da alma está pousado numa pata,

E com a outra – que em descanso está dobrada sob a barriga –

Roda a chave da gaveta que quer abrir,

Puxa pelo puxador, e tudo o que está dentro dela

Sai em liberdade para dentro do corpo.

E como tudo o que sentimos tem uma gaveta,

O pássaro da alma tem imensas gavetas.

A gaveta da alegria e a gaveta da tristeza.

A gaveta da inveja e a gaveta da esperança.

A gaveta da desilusão e a gaveta do desespero.

A gaveta da paciência e a gaveta do desassossego.

E mais a gaveta do ódio, a gaveta  da cólera e a gaveta do mimo.

A gaveta da preguiça e a gaveta do vazio.

E a gaveta dos segredos mais escondidos,

Uma gaveta que quase nunca abrimos.

E há mais gavetas.

Vocês podem juntar todas as que quiserem.

Às vezes uma pessoa pode escolher e indicar ao pássaro

As chaves a rodar e as gavetas a abrir.

E outras vezes é o pássaro quem decide.

Por exemplo: a pessoa quer estar calada e diz ao pássaro para abrir

A gaveta do silêncio. Mas ele, por auto-recriação,

Abre-lhe a gaveta da fala,

E ela desata a falar, a falar sem querer.

Outro exemplo: a pessoa quer escutar pacientemente

– E em vez disso ele abre-lhe a gaveta do desassossego

Que faz com que ela se enerve.

E acontece que a pessoa tenha ciúmes sem qualquer motivo.

E que estrague justamente quando mais quer ajudar.

Porque o pássaro da alma nem sempre é disciplinado

E às vezes dá-lhe trabalhos…

Agora já compreendemos que cada homem é diferente do seu semelhante

Por causa do pássaro da alma que tem dentro de si.

O pássaro que em certas manhãs abre a gaveta da alegria,

E a alegria jorra dela para dentro do corpo

E o dono fica feliz.

E quando o pássaro lhe abre

A gaveta da raiva,

A raiva escorre de dentro dela e

Domina-o totalmente.

E até que o pássaro

Volte a fechar a gaveta

Ele não pára

De se zangar.

E quando o pássaro está de mau humor

abre gavetas que dão mal-estar.

E quando o pássaro está de bom humor

escolhe gavetas que fazem bem.

E o mais importante – é escutar logo o pássaro.

Pois acontece o pássaro da alma chamar por nós, e nós não o ouvirmos.

É pena. Ele quer falar-nos de nós próprios.

Quer falar-nos dos sentimentos que estão encerrados nas gavetas

Dentro de nós.

Há quem o ouça muitas vezes,

Há quem o ouça raras vezes,

E há quem o ouça

Uma única vez na vida.

Por isso vale a pena

Talvez tarde pela noite, quando o silêncio nos rodeia,

Escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós,

No fundo, lá bem no fundo do corpo.